Pedestre que atravessa via de trânsito rápido, fora do local adequado de passagem de pessoas, é em tese o único causador do dano em virtude de atropelamento

A Corte Suprema di Cassazione (última instância recursal do Poder Judiciário italiano), em 8 de outubro de 2019, rejeitou o recurso movido pelas partes autoras, em face da seguradora (Zurich Insurance Company Ltd.), que pleiteavam a reforma do acórdão proferido pela Corte de Apelação de Roma (Corte d’Appello di Roma), que já havia rejeitado o pedido de indenização em razão do atropelamento em via de trânsito rápido.

Os familiares da vítima (demandantes) argumentaram que a instância inferior proferiu decisão em erro de julgamento, pois:

1. considerou, equivocadamente, que “a travessia havia ocorrido na estrada onde era absolutamente proibida, devido à presença de uma barreira de tráfego; quando, em vez disso, era uma ‘via rápida’(qualificada pelo próprio Tribunal), na qual não havia uma proibição geral de atravessar”;

2. não examinou a “dinâmica da travessia em suas várias fases”, porque não considerou “a superação dos limites de velocidade e o movimento injustificado do veículo investidor na faixa rápida”;

3. equivocou-se ao, erroneamente, assumir que o pedestre havia atravessado “sem prestar a devida atenção e sem dar precedência ao veículo que se aproximava”; não considerou que a passagem para pedestres estava situada “a mais de cem metros de distância”; e que o início da travessia na estrada se iniciou, pela parte do pedestre, “com a devida cautela”, ocorrendo o atropelamento “quando a travessia já estava quase concluída“;

4. desconsiderou o relatório do perito segundo o qual, se o motorista mantivesse uma velocidade de 55 km por hora, o acidente não teria ocorrido;

5. imputou a causa do acidente exclusivamente à conduta do pedestre, sem considerar que a “visibilidade de quaisquer obstáculos na estrada faz parte do conceito de previsibilidade do evento”.

A Corte máxima italiana, contudo, acolheu os fundamentos da defesa, no sentido de que “em matéria de responsabilidade civil por acidentes decorrentes de tráfego rodoviário, no caso de travessia de pedestres, a responsabilidade do motorista é excluída quando se provar que não havia possibilidade para este impedir o evento” (fato inevitável – força maior), situação recorrente “quando o pedestre se comporta de forma imprevisível e anormal, de modo que o motorista se vê na impossibilidade objetiva de avistá-lo e, em qualquer caso, de observar prontamente seus movimentos”.

Acrescenta que a excludente prevista no art. 2.054 do Código Civil italiano, no caso de danos a pessoas ou bens causados ​​pela circulação de um veículo (a prova de ter feito tudo quanto possível para evitar o dano),[1] não exige interpretação restritiva, ou seja, eximindo-se do dever de indenizar para se demonstrar que “manteve um comportamento livre de falhas e perfeitamente em conformidade com as regras do código da estrada”, mas pode resultar também pela “constatação de que o comportamento da vítima era o fator causal exclusivo do evento prejudicial, porém não evitável pelo motorista”, considerando-se as circunstâncias concretas da circulação (via de trânsito rápido) e a consequente “impossibilidade de realizar alguma manobra de emergência adequada”.

Portanto – conclui a Corte – o pedestre que atravessa a pista de corrida, mesmo na faixa de pedestres apropriada (o que não foi o caso), entrando no fluxo de veículos que marcham na velocidade exigida por lei, impõe um comportamento culpável que pode ser a causa exclusiva de seu atropelamento por um veículo, especialmente se o condutor demonstra, com apoio no art. 2.054 do CC italiano, que o fato danoso ocorreu pelo “aparecimento repentino e imprevisível do pedestre em sua própria trajetória”, tornando inevitável o evento prejudicial, dada a curta distância de visão, insuficiente para operar uma manobra de emergência apropriada.

A decisão ressalta que a conduta da própria vítima, neste caso, mais do que configurada pela culpa exclusiva, rompe o próprio nexo causal, repercutindo, também, para as hipóteses de responsabilidade objetiva (como nas hipóteses de responsabilidade do Estado).

Link para a decisão: < http://www.neldiritto.it/appgiurisprudenza.asp?id=17498#.XbMVKJJKjIV>


[1] CC italiano. Art. 2.054. Il conducente di un veicolo senza guida di rotaie è obbligato a risarcire il danno prodotto a persone o a cose dalla circolazione del veicolo, se non prova di aver fatto tutto il possibile per evitare il danno.

Autor: Antonio dos Reis Júnior

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