Corpo estranho em alimento gera dano moral mesmo sem ingestão

É irrelevante a efetiva ingestão do alimento contaminado por corpo estranho – ou do próprio corpo estranho – para a caracterização do dano moral, pois a compra do produto insalubre é potencialmente lesiva à saúde do consumidor.

O entendimento foi fixado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 1.899.304.

O recurso foi afetado a julgamento pela Segunda Seção devido à existência de divergência entre a Terceira e Quarta Turmas daquela Corte a respeito da caracterização, ou não, de dano moral indenizável em razão da presença de corpo estranho em alimento industrializado, quando aquele não chega a ser ingerido pelo consumidor.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, afirmou que “a distinção entre as hipóteses de ingestão ou não do alimento insalubre pelo consumidor, bem como da deglutição do próprio corpo estranho, para além da hipótese de efetivo comprometimento de sua saúde, é de inegável relevância no momento da quantificação da indenização, não surtindo efeitos, todavia, no que tange à caracterização, a priori, do dano moral”.

No caso julgado, o consumidor pediu indenização contra uma beneficiadora de arroz e o supermercado que o vendeu, em razão da presença de fungos, insetos e ácaros no produto. O juiz condenou apenas a beneficiadora, por danos materiais e morais, mas o tribunal de segundo grau, considerando que o alimento não chegou a ser ingerido pelo consumidor, afastou a existência dos danos morais.

Em seu voto, Nancy Andrighi explicou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege o indivíduo contra produtos que coloquem em risco sua segurança (artigo 8º do CDC). Ela lembrou que o código prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor de reparar o dano causado pelo produto defeituoso, conceituado como aquele que não oferece a segurança esperada (artigo 12, caput, e parágrafo 1º, inciso II, do CDC).

“A presença de corpo estranho em alimento industrializado excede os riscos razoavelmente esperados em relação a esse tipo de produto, caracterizando-se, portanto, como um defeito, a permitir a responsabilização do fornecedor”, disse a magistrada.

Ela mencionou que os recursos já julgados no STJ tratam da presença dos mais diversos elementos indesejados em embalagens de produtos alimentícios, como fungos, insetos e ácaros, barata, larvas, fio, mosca, aliança, preservativo, carteira de cigarros, lâmina de metal e pedaços de plástico, pano ou papel-celofane.

De acordo com a relatora, é impossível evitar totalmente o risco de contaminação na produção de alimentos, mas o Estado – sobretudo por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – estipula padrões de qualidade de produtos alimentícios e fixa os níveis aceitáveis para contaminantes, resíduos tóxicos e outros elementos que possam trazer perigo à saúde.

“É razoável esperar que um alimento, após ter sido processado e transformado industrialmente, apresente, ao menos, adequação sanitária, não contendo em si substâncias, partículas ou patógenos com potencialidade lesiva à saúde do consumidor”, ressaltou. 

A ministra afirmou que a jurisprudência do STJ tem cada vez mais reconhecido a possibilidade de indenização independentemente da comprovação de dor ou sofrimento, por entender que o dano moral pode ser presumido diante de condutas que atinjam injustamente certos aspectos da dignidade humana.

Ao votar pelo restabelecimento da sentença, a relatora afirmou que o dano moral, no caso de alimento contaminado, decorre da exposição do consumidor ao risco concreto de lesão à sua saúde e integridade física ou psíquica. Segundo ela, havendo ou não a ingestão do alimento, a situação de insalubridade estará presente, variando apenas o grau do risco a que o indivíduo foi submetido – o que deve se refletir na definição do valor da indenização. 

A posição vencida no julgamento – que vinha sendo seguida pela Quarta Turma – considerava que, para a caracterização dos danos morais no caso de alimento contaminado por corpo estranho, seria indispensável comprovar a sua ingestão pelo consumidor.

Os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a relatora. Restaram vencidos os ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira.

Acesse o acórdão na íntegra.

Fonte: STJ

Foto de Tara Clark em Unsplash.

Compartilhe: