Criança deficiente constrangida por motorista de ônibus será indenizada

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação de uma empresa de ônibus de Fortaleza a indenizar em R$5 mil, a título de danos morais, uma criança portadora de deficiências múltiplas e sua tia em razão de constrangimentos causados por um de seus motoristas.

De acordo com o processo, a menina, acompanhada da tia, teve sua entrada pela porta dianteira do ônibus barrada pelo motorista, mesmo apresentando documento emitido pela prefeitura que lhe assegurava a gratuidade no transporte coletivo. Somente após a insistência de outros passageiros, o motorista permitiu a entrada da menor e da acompanhante no ônibus, mas continuou a criar constrangimentos para as duas.

A empresa, condenada pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), recorreu ao STJ alegando que seu preposto não teria constrangido as autoras da ação.

No julgamento do recurso, o ministro relator, Villas Bôas Cueva, ponderou que, diante dos fatos reconhecidos pelo TJCE, a prática do ato ilícito é incontroversa, configurando a má prestação do serviço de transporte, ficando a discussão restrita ao cabimento de indenização por danos morais na hipótese.

Em seu voto, o ministro relator citou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de Emenda Constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988, por meio do Decreto nº 6.949/2009, estabelecendo novo paradigma para as pessoas com deficiência baseado no princípio da inclusão, em substituição ao princípio da integração, e dando especial enfoque às crianças e às mulheres com deficiência, reconhecendo que elas “estão freqüentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração” dedicando, inclusive, um capítulo às crianças com deficiência.

Também foi citada a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que dedicou o Capítulo X ao direito ao transporte e à mobilidade e confirmou a importância de se assegurar a acessibilidade das pessoas com deficiência aos meios de transporte coletivos; e a Lei nº 10.048/2000 que assegura o atendimento prioritário e determina que as empresas de transporte coletivo mantenham assentos reservados às pessoas com deficiência, além de ter estipulado prazo para que essas empresas procedessem às adaptações necessárias para garantir o acesso facilitado das pessoas com deficiência nos veículos .

Villas Bôas Cueva destacou a importância da acessibilidade da pessoa com deficiência na legislação infraconstitucional e citou precedente da ministra Nancy Andrighi, no qual foi reconhecida a existência de dano moral à pessoa com deficiência que sofreu tratamento discriminatório em serviço de transporte público municipal (REsp nº 1.733.468/MG), concluindo ser inegável que a atitude do preposto da empresa recorrente configurou defeito no serviço, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, devendo haver reparação dos danos causados, independentemente da existência de culpa.

Para o ministro, o fato de a vítima do constrangimento ser menor e do sexo feminino, “potencializa o dano à sua dignidade, causado pelos embaraços criados pelo preposto da empresa ré que, mesmo vendo o cartão apresentado pela acompanhante, no qual atestada a deficiência da autora, continuou agindo de forma desrespeitosa, contribuindo para a reprodução de estereótipos e estigmas relacionados às pessoas com deficiência.”

O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino. Assim, a Terceira Turma negou provimento ao recurso especial da empresa de ônibus por unanimidade.

Para acessar a íntegra do acórdão clique aqui.

Fonte: STJ

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